AUTISMO INFANTIL – PARTE 1

O que é ser diferente?

Ser diferente é não ser igual, certo?

 Igual ao que? A quem?

Por que temos que ser iguais?

Quanto desta falta de semelhança se faz necessário?

Estas são perguntas simples, com respostas óbvias, porém, sempre esquecidas.

Quando percebemos alguém diferente, esta “diferença” é percebida como não semelhante a que sou e/ou conheço, e, consequentemente, desconhecido e imediatamente interrogada.

Tudo que é desconhecido pode trazer medo, dúvidas, e a constatação que existe a possibilidade de ser diferente compromete e remete ao estado pessoal (narcísico), ou seja, eu ou um dos meus familiares também poderia ser assim.

Dependendo da capacidade pessoal, relacionado com a sua história pessoal da formação de sua personalidade, cada pessoa pode ter um olhar sobre o diferente. Desde ignorá-lo para não ver a existência, agredir na tentativa de acabar com esta situação para não precisar enfrentar ou percebê-la de forma nítida, sabendo que a simples existência de diferenças não significa que preciso me tornar igual ao diferente, ou seja, ficar diferente também.

Especificamente, quando esta diferença é física, por exemplo, pessoas com más-formações, cadeirantes, amputados, onde, nitidamente uma parte do corpo está faltando o manejo e a convivência talvez se torne um pouco mais fácil, e consequentemente mais fácil de lidar.

Porem, quando falamos de diferenças relacionadas ao comportamento, a regras sociais, a situação torna-se um pouco mais complexa.

Naturalmente, o sentimento é de que o outro, diferente, tem que se adaptar, porque a maioria é assim, então, as possibilidades da mesma adaptação tornam-se mais remotas e de difícil assimilação. O ser igual traz uma falsa segurança, pois já é conhecido, controlado e não precisamos nos adaptar a nada.

Quem sabe chegou a hora de enxergar a diferença, entendê-la, e valorizá-la, pois tudo é diferente, todos somos diferentes por mais que desejamos ser iguais. Perceber a necessidade do outro, e todos na verdade somos diferentes, é muito mais difícil do que parece.

O diagnóstico e o bebê fantasma

Ao sair do consultório médico com o diagnóstico de um filho autista, ou mesmo, com um nome um pouco mais bonito e complicado como – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), um impacto devastador acomete a família naquele momento.

Este diagnóstico pode trazer a tona medos antigos, mascarados ou mesmo adormecidos, relacionados ao nascimento e desenvolvimento do bebê que tem sua origem no inicio da gravidez.

Inevitavelmente todos os sonhos, esperanças e planos que iniciaram na gestação caem por terra ou são questionados.

Digo isto, pois no inicio da gestação, os pais, na maioria das vezes, festejam a chegada de um novo membro na família, evidentemente perfeito, inteligente e lindo sem espaço para alternativas.

No entanto, precisamos lembrar que em cada gravidez três bebês são gestados. O bebê imaginário, aquele perfeito, lindo e inteligente, tipo capa de revista; o bebê fantasma, aquele que carrega toda a possibilidade de doenças, más-formações e situações ruins (este diretamente proporcional ao grau de instrução dos pais sobre doenças relacionadas a gravidez); e finalmente o bebê real, que será representado somente no dia de seu nascimento.

Durante os nove meses o bebê imaginário briga na fantasia dos pais com o bebê fantasma, povoando de possibilidades este período, trazendo um misto de emoções.

No momento então do diagnóstico comprobatório de um problema com a criança, o bebê real rende-se ao fantasma e torna o medo uma realidade e imediatamente aquelas perguntas arrasadoras surgem: “o que eu fiz de errado?”, “será que não me cuidei o suficiente” e as mais terríveis, em minha opinião: “de quem é a culpa?”. 

Pensar, culpar-se ou culpar alguma coisa ou alguém é humano e compreensível no primeiro momento. Assim como negar a realidade que está a nossa frente. Estas são defesas, que, evidentemente, se fazem presente quando inconscientemente percebemos que corremos algum tipo de “perigo”.

Contudo, devemos lembrar que não é nossa escolha, nem de ninguém, não tivemos participação na escolha dos genes que iriam se manifestar neste novo ser que estava sendo criando. A opção da escolha na formação do bebê ainda não é possível, ou seja, não é culpa de ninguém!

A grande e mais importante questão, na minha opinião, é:  esta criança chegou para fazer parte da família, com estas características, com este cabelo, com esta cor de pele, com esta forma física, com estas habilidades, estas dificuldades e com este tipo de comportamento inicial.

Vale lembrar que uma criança que nasce sem qualquer tipo de “alteração” inicial não é garantia que não terá problemas no futuro de ordem física, mental ou comportamental. Então, qual a vantagem do julgamento neste momento? Que beneficio pode trazer este tipo de questionamento agora?

Nada disso podemos escolher, visto que a única maneira de não passar por isso, controlando todas as possibilidades, escolhendo todas as variáveis com 100% de segurança no momento  do nascimento ou no futuro é NÃO TER FILHOS!

Como não foi a escolha e, este novo ser chegou a sua família, vamos ao que de fato interessa. Como podemos ajudar esta criança a se desenvolver plenamente com saúde e felicidade?

O julgamento de abandonar o projeto da constituição de uma família, se desesperar, se lamentar ou qualquer pensamento relacionado com “não gostei, não quero mais” não cabe e se torna completamente destrutivo e está diretamente relacionado ao nosso componente narcísico de promover o nascimento somente de crianças perfeitas no sentido social da palavra. 

Perfeitos todos somos em algum sentido!

Mas porque eu, logo comigo, não mereço!

Lamento, mas esta pergunta não pôde ser respondida cientificamente até este momento. Várias hipóteses foram e estão sendo pesquisadas sem um achado definitivo neste sentido.

No entanto, posso adiantar que após vários anos trabalhando com famílias com autistas percebo que a resposta deixa de ser necessária porque a lamentação acaba e dá lugar a inúmeras afirmações de amor, companheirismo e sensibilidade.

Evidentemente que nada disso é fácil, criar e educar qualquer criança, e, sem dúvida, crianças especiais requerem pais especiais.

Este é um convite!

Tornar-se especial, com um olhar especial para esta criança.

Acho importante lembrar que o diagnóstico de Autismo (TEA) tem se mostrado cada vez mais frequente, chegando atualmente a apresentar-se em uma a cada oitenta e oito crianças (ADDM Network 2010-2018).

A Família

O impacto na família com a chegada deste diagnóstico, como descrevemos anteriormente, é devastador. Fato que considero de extrema importância é a infeliz realidade de que a maioria dos casais com crianças com necessidades especiais se separam.

A culpa, ou a vontade de culpar alguém, a dor não elaborada, a lamentação e a retomada constante dos questionamentos relacionados à frustração do bebê perfeito acabam com qualquer relação. Conversar muito, esclarecer todos os pontos, compreender que não existe culpa, unir-se pela família é fundamental.

Todos temos direito a frustrações e o dever de consegui-las metabolizar. Caso constate crises em seu relacionamento, e não consiga resolver estas questões sozinho, a procura de um profissional especializado pode ajudar.

A base familiar será a estrutura de suporte para tudo, não porque existe um membro novo na família com necessidade especial, pelo menos não deveria ser, mas por que é essencial que o motivo e o porquê, que este casal, iniciou a constituição de uma família deva ser constantemente lembrado:

O AMOR.

Com isto, tudo fica mais fácil!

Uma criança especial chegou à família

O que é ser especial? Afinal, todos nós queremos ser especiais para alguém e temos alguma necessidade especial de alguma coisa! Esta nomenclatura é uma discussão longa e ninguém ainda achou um nome que realmente represente de fato estas pessoas. Tenta-se.

Gosto da ideia do diferente, e, especificamente com os Autistas (refiro-me a todos os TEA), temos uma criança, um adolescente, um adulto que se relaciona diferente do convencional, ou daquilo que estamos acostumados. Tudo que é diferente, que não conhecemos bem nos traz medo, ansiedade e nos tira da zona de conforto, mas, não necessariamente precisa ser encarado como ruim e rechaçado.

Os autistas (TEA) são pessoas que tem como características dificuldades na comunicação e na interação social, ou seja, se comunicam e se relacionam de forma não convencional e apresentam padrões restritos e repetitivos de comportamento que as pessoas não costumam fazer. Ou seja, as vezes não conseguem falar direito ou falam engraçado, não seguem a etiqueta social e ainda fazem gestos estranhos, por vezes gritam e riem sem motivo.

Bem, sempre penso que se as normas de conduta social mudassem para: não devemos olhar nos olhos das pessoas, não devemos imitar os outros, devemos ser mais reservados, devemos ter interesse especifico, devemos ter maneiras diferentes de expressar ansiedade e felicidade e assim por diante… Os autistas seriam os normais e nós os diferentes! Você já pensou que somos nós a fazer a mesma coisa, da mesma maneira, muito preocupados com os outros, vestindo “máscaras”, muitas vezes, desnecessárias?

Cá entre nós, tem uma série de características dos TEA que fariam muito bem a sociedade em geral, como: não mentir, honestidade, ausência de preconceito, sensibilidade, ordem/organização.

A criança com Transtorno do Espectro do Autismo

O Transtorno do espectro autista (TEA), atualmente, digo por que historicamente já transitou por varias definições, é considerado um transtorno do desenvolvimento da criança de causas neurológicas e biológicas.

Ou seja, no período onde o cérebro iniciou o seu desenvolvimento alterações aconteceram que fizeram com que a arquitetura cerebral fosse alterada, ficando diferente da habitual.

Estas modificações ocorreram graças aos códigos genético (genes específicos ainda não totalmente identificados) associados possivelmente a algum componente ambiental durante a gestação (motivo de muitas teorias ainda em estudos). Estas modificações no cérebro fazem com que a pessoa manifeste aspectos diferentes, principalmente na interação social com as outras pessoas, na comunicação e no comportamento.

Esta definição simplificada deste complexo transtorno nos remete a inevitável constatação que por se tratar de modificações cerebrais ocorridas no seu desenvolvimento, a correção delas não é possível, sendo assim não existe cura para o Autismo até os dias atuais.

Autismo – viagem a um novo lugar

Viajar, foi desta forma que me interessei sobre o assunto e comecei a estudar. Sugiro esta estratégia, pois me motiva até hoje.

Quando vamos viajar para algum lugar que não falem a nossa língua precisamos pensar em alguma forma de comunicação. Digo comunicação no sentido amplo da palavra, a partir de trocas de informações, ou seja, conseguir expressar o que quero e compreender a resposta e vice-versa. Se não sei a língua tento chegar o mais próximo com gestos, sinais, fotos, etc.

Nestes lugares diferentes as pessoas apresentam culturas diferentes, consequentemente maneiras de agir diferentes das habituais e do meu costume. Não por isso erradas. Preciso então conhecê-las, saber o que posso e o que eu não posso fazer neste lugar.

Evidentemente quando se viaja procura-se saber a localização deste lugar, geograficamente, como entro e que tipo de autorização preciso para fazer isto.

Traço este paralelo com o mundo dos TEA. Se quiser entender, se relacionar, ajudar ou mesmo conviver com estas pessoas, você precisa saber se comunicar com eles, ou melhor, como funciona o processo de comunicação deles (mais concretos), como agem e sentem (considerar a sensibilidade diferente que eles apresentam de maneira geral), saber como se dirigir, portar-se para então, conseguir a autorização para entrar em seu mundo particular. Garanto-lhes um mundo apaixonante!

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Texto desenvolvido pelo Psicólogo Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica Vinícius Lucietto Piccinini- CRP 07/25798

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